Liturgia cósmica e Lei de Deus
August 28, 2010 at 8:26 pm Leave a comment
O salmo nos conduz a dois espaços personificados, o céu e o firmamento, proclamando a glória de Deus, sem fazer a tradicional introdução dos hinos, em que se diz que alguém vai entoar um cântico à divindade. Em seguida, fala de dias e noites, tempos também personificados que, na concepção do salmista, não se misturam, até porque na criação foram separados por Deus, mas que transmitem uma mensagem, o que remete à tradição pitagórica da música das esferas, ou ainda ao tema assírio-babilônico dos astros, a “silenciosa escritura dos céus”. Nesse quadro magnífico pintado pela salmista não são necessárias palavras, pois o cosmo, imenso e supostamente mudo, guarda em si uma linguagem universal, anterior à linguagem humana, que revela a grandeza infinda do Criador.
Aparece, então, o sol, maravilhoso protagonista, que entra em cena para, percorrendo o espaço celeste, definir o “pulso do dia e da noite”. O sol também é apresentando com características humanas, dispõe de uma tenda e de uma alcova, onde passa a noite de amor. Mas, ao mesmo tempo, apresenta uma projeção cósmica. Com sua ação, mobilidade e calor, mesmo sem dar uma palavra, ele proclama uma mensagem universal, que se estende a todas as partes do mundo.
Depois disso, sem transição nem introdução, o salmista fala da Lei do Senhor, à qual são atribuídos alguns predicados. Ela é perfeita, faz a vida voltar (em algumas traduções “devolve a respiração”), alegra o coração, ilumina os olhos, é pura e estável, sendo mais desejável que o ouro mais refinado.
A mudança brusca do tema poderia significar ruptura, mas esta é apenas aparente. O fio condutor entre a linguagem cósmica e a Lei do Senhor não se rompe, o que nos proporciona uma mensagem marcada não por contradições ou paralelismos, e sim por uma profunda e harmônica integridade. Deveríamos contemplar o universo como criação de Deus. Mas como, em geral, não nos tornamos naturalmente “liturgos do cosmo”, o Senhor nos ordena por meio de sua Lei. Esta é perfeita, ao contrário de nós, seres humanos, que não conseguimos, por nós mesmos, discernir os próprios erros. Daí a necessidade de suplicar a Deus que nos purifique das faltas, mesmo as mais escondidas, para, ao final, com a integridade restabelecida, entoarmos, em uníssono, o hino cósmico da criação.
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